Arquivo para março \30\-03:00 2012

exercício das pequenas coisas

“(…) ver a grandeza das pequenas coisas. Onde se encontra a beleza? Nas grandes coisas que, como as outras, estão condenadas a morrer; ou nas pequenas que, sem nada pretender, sabem incrustar no instante uma preciosa pedrinha de infinito?”
(trecho de “A elegância do ouriço”, de Muriel Barbery)

Não sei se é a chegada do outono, conjunção astral ou gratidão pura e simples, mas ando extremamente apaixonada pelas pequenas coisas da minha vida. Ver a Marilyn na Cinemateca, meu lugar favorito na cidade, e ganhar seu livro de memórias de presente. Ir ao cineclube francês com mamis domingo pela manhã e comer croissant e pain au chocolat quentinhos, praticando o biquinho. Vestir saia nova de bailarina e receber elogios. Ajudar meu pai. Voltar a dirigir e a fazer exercícios. Encontrar amiga querida que não via há tempos, comer bolo mais amado acompanhado de chá e só ouvir boas novas. Usar tiara de paéte e cabelo solto. Ir almoçar sozinha no japonês da esquina, e comprar chocolate de sobremesa. Ver os raios de sol entrando na sala pela manhã, e me aninhar no edredom quentinho para assistir a filme querido da pré-adolescência na tevê a cabo, em plena quinta-feira. Happy hours animados com amiga nova, trocando confidências em outra língua. Caminhar pelas ruas ouvindo playlist que foi escolhida carinhosamente só para mim. Sorrir à toa. Sonhar.

Cofrinho anda cheio de good vibes. Abril, me traga muito mais, ♥

acabaram com a magia do acaso

Outro dia li uma nota em uma revista de bordo que me deixou um pouco chocada: uma companhia aérea criou uma rede social onde você pode disponibilizar seu perfil para outros passageiros do mesmo voo, assim como olhar o deles e escolher sentar perto da pessoa com quem tem mais afinidade. Ideia muito linda na teoria, mas quedê romantismo?

Call me antiquada, mas sou daquelas que sempre escolhe assento com o maior cuidado, como se daquela mínima escolha dependesse encontrar o futuro grande amor da minha vida. Mas não sou tão controladora quanto parece: como feliz portadora da famosa síndrome-do-último-romântico, também adoro surpresas do destino, como inocentes paqueras que começam exatamente por não haver assento a escolher previamente e a gente poder fazê-lo na hora, o que já me rendeu flertes que escolheram a minha companhia no charmoso eurostar Paris-Londres, no prosaico São Paulo-Alphaville 12 e um pedido de casamento no noturno 243.

Um dos meus últimos pseudo-romances começou com mesmo assento numa ponte aérea São Paulo/Rio de Janeiro para um tumultuado carnaval, bem enredo de comédia romântica hollywoodiana: mesmo lugar para sentar, mesmo mês de aniversário, mesma profissão, muita conversa para um chá de cadeira de mais de duas horas no voo. E agora as companhias aéreas me dizem que querem burocratizar até isso na minha vida: minha chance de escolher companheiro de viagem baseado em possíveis afinidades. Oi?! Justo eu, que também adoro (às vezes até prefiro) conversar com gente bem diferente de mim? Que acredito que um novo amor pode estar na fila do pão, na sala de espera do ortopedista, no elevador de condomínio? Que em pleno 2012 continuo refratária a “procurar parceiro(?!) na internet”?

Por favor, companhias aéreas amadas e queridas, tão prezadas em minhas aventuras: vão cuidar de não deixar o avião cair, de não extraviar a minha mala e de servir um lanchinho de bordo decente. E deixem que meu destino se encarregue de quem vai me fazer companhia no assento ao lado. 

bloco do eu sozinho

“Solidão: um lugar bom para visitar, mas ruim para permanecer.”
(Josh Billings)

No último carnaval, decidi ficar em casa sozinha. Meus pais foram para um canto, meu irmão para outro, meus amigos ficaram em São Paulo… e eu fiquei só. Não por falta de opção, mas por ela própria mesmo: não quis ver ninguém por quatro dias, não coloquei o nariz para fora de casa, nem quando a comida começou a rarear na despensa. Chamei esse momento de meu retiro espiritual, e não estaria mentindo se dissesse que foi um dos melhores carnavais que já tive.

Pude experienciar cuidar da casa e da cachorra, dormir acordar comer ver tevê na hora em que desse na telha, curtir o silêncio – este amigo que me é tão caro e tão raro no dia a dia frenético das obrigações cotidianas. Abrir as janelas pela manhã, tocar música favorita em volume animado, meditar, colocar a leitura em dia, arrumar a bagunça. Minha família ficou em choque com a minha decisão, incrédulos de que alguém pudesse escolher ficar só quando tivesse opção contrária, quando no carnaval a obrigação é se jogar na festa e ser feliz. Mas em momento algum senti culpa ou tristeza. Foi um mergulho tão bom dentro de mim mesma.

Desde pequena, sempre fui muito metida a independente, sempre gostei de ficar sozinha. Do alto dos meus impávidos quatro anos de idade, acordava mais cedo que todos e ia para a sala assistir ao gato Félix quietinha, para não acordar ninguém. Brincava de boneca sozinha, inventava histórias e mundos imaginários. E foi assim por um bom tempo, até chegar num ponto em que ficar só já não era mais opção; e em como eu me senti desamparada ao me dar conta disso. E quanto autoconhecimento foi necessário, quanta sola de sapato gasta, quanto estudo, quanta jornada, quantas conversas com amigos, quantas reflexões…! Tudo isso para, num domingo ensolarado de carnaval, eu me sentir abençoada por poder ficar só, com a serenidade merecida de saber que não preciso me afobar não, que nada é pra já.

“… e quando escutar um samba-canção.
assim como: ‘eu preciso aprender a ser só’
reagir e ouvir o coração responder:
‘eu preciso aprender a só ser'”

(gilberto gil)

free falling

Além de conhecer novas culturas, ver coisas diferentes e experimentar sabores, cheiros e texturas; uma coisa que sempre me fascinou em viagens era poder ser uma nova persona completamente distinta de quem sou no meu dia a dia. Pessoas que nunca me viram antes não sabem do meu passado, sonhos, sucessos e fracassos; então a chance de adotar outra personalidade, ainda que por alguns poucos dias, sempre me pareceu fascinante. Tem até um episódio de “Mad about you” só sobre isso, em que o Paul e a Jamie se divertem assumindo novas profissões e histórias de vida durante umas férias, mas para eles as coisas saem um pouquinho do controle (senão não seria uma sitcom né?).

E toda essa historinha introdutória é para ilustrar que passei um fim de semana em Porto Alegre com meu irmão, para o casamento de uns amigos dele. Lá, onde ninguém além dele me conhecia, eu pude brincar de ser outra eu. Vesti as roupas mais bonitas, segui à risca o conselho das amigas de não me levar tão a sério e foi um dos melhores finais de semana dos últimos tempos. Pude experienciar ser mais divertida e desencanada, dançar-até-o-mundo-acabar, pular pular pular. Curtir sem preconceitos ou cansaço, beber drinques coloridos sem limite, conhecer gente nova, ser cortejada. Viver minha história de filme francês e escolher ir totalmente contra as expectativas, seguindo apenas o instinto que bateu na hora, sem me preocupar se haveria amanhã – afinal, eu bem sabia que não haveria, estava só de passagem. E foi tão libertador!

Sei que, por ter sido apenas uma viagem de poucos dias, toda a experiência estava contaminada por esse senso de urgência, essa aura de fantasia de nouvelle vague. E também tenho consciência de que barreiras e limites morais me impediriam de viver assim todos os dias, que foi só uma brincadeira inocente. Mas desde que voltei, tudo o que penso é em aplicar essas lições em doses mais diárias e menos esporádicas; sem depender de passagem aérea para assumir uma postura mais leve e despreocupada em relação à vida. Já é um começo.

lindeza do dia

“… e eu gostaria de lhe pedir da melhor maneira que posso, meu caro, para ter paciência em relação a tudo que não está resolvido em seu coração. Peço-lhe que tente ter amor pelas próprias perguntas, como quartos fechados e como livros escritos em uma língua estrangeira. Não investigue agora as respostas que não lhe podem ser dadas, porque não poderia vivê-las. E é disto que se trata, de viver tudo. Viva agora as perguntas.”
(Rilke, em “Cartas a um jovem poeta”, compartilhado por amiga querida – em sincronicidade que não poderia ter vindo em melhor hora)


Já falei mil vezes aqui de como o outono é minha estação favorita de todas. Então, meu plano para esses próximos três meses que se iniciam hoje, é usar o céu mais bonito do mundo e toda a paciência que resta para fazer perguntas e vivê-las. Sem ansiedade por respostas imediatas ou urgências pouco cabíveis. Observar, digerir, aprender. Aceitar. 

“repara que o outono é mais estação da alma que da natureza”
(carlos drummond de andrade)

mais uma parábola

Fico arrancando todas as casquinhas do joelho ralado para sarar mais rápido. Minha ansiedade nunca permite que o tempo tome conta de curar as feridas – estou sempre forçando uma recuperação rápida, que mais tarde se mostra ineficiente e apresenta resultados por vezes piores do que o machucado original. Na maioria das vezes, só uma cicatriz mais evidente. Em outras, apenas uma angustiazinha interna mas persistente. Em todas, uma frustração por não saber ser paciente e reconhecer que cada ferimento tem seu ritmo próprio para se restabelecer.

Haja meditação. 

sale el sol

Uma viagem de alguns dias na cidade maravilhosa, um balde de inspiração pra vida, uma luz de trajetória a seguir. Alice, um raiozito de sol que entrou na minha vida há três anos, tem uma das energias mais incríveis que já vi. Ela também tira tarô e ficou impressionada de como só saíram cartas boas para mim. Confesso que eu também. Tudo dizia que estou no comando, no caminho certo, e que o conselho é continuar com muita fé, a chave é acreditar – começando pelo tarô, que só trouxe coisas boas, e eu, que não sou boba nem nada, “só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder”.

Entre as cartas favoritas, duas que mereceram até anotação especial no caderninho: o julgamento, com “sinta-se merecedora e terás o melhor que imaginas para você” (alô poder da atração) e o sol: “o sol representa a iluminação que é alcançada após o mergulho nas sombras. O sol nos traz a clareza necessária para a continuação da nossa jornada”. Com ambas, a serenidade que faltava para o olhar o horizonte e seguir em frente, andando com fé, que não costuma falhar. Faça-se a luz.

à flor da pele

No dentista:

– Com você tudo tem que ser bem devagarinho. Você tem alta capilaridade, onde encosta sangra.

Hematomas com qualquer esbarrão, choro em comercial de margarina, sangramentos homéricos na cadeira do dentista, muita emoção com pequenos eventos mundanos: bem-vindos ao mundo da alta sensibilidade.

pequenos dilemas cotidianos

Um dente lascado e um joelho esfolado são pouca coisa perto de um coração partido quase 100% curado. Estou enfrentando os três com muita paciência, perseverança e canja de galinha, que não faz mal a ninguém.

agindo com o coração

“A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
(João Guimarães Rosa)

Se tem um estudo que me fascina é a origem das palavras. Como boa apaixonada por línguas, adoro saber qual a formação do que dizemos, quais as influências que recebemos, qual o sentido original do termo. E foi numa dessas buscas que tropecei num texto da Maria Ribeiro para a TPM, explicando a coragem: do latim cuor agire, “agir com o coração”. E fez todo o sentido do mundo.

Ano passado participei de um grupo de pesquisa e discutíamos as ideias de coragem, rebeldia e ousadia. E eu disse que, quando decidi ir para Paris de mala, cuia e coração nas mãos, todo mundo disse que eu era “muito corajosa”, já que não dominava a língua, ia sem companhia e não conhecia ninguém na cidade. Mas eu não enxergava desta forma – para mim era tão… natural. Algo que sempre quis e nunca me deu medo, aflição ou desconforto: eu estava apenas seguindo meu coração. O que era a tal coragem pros outros, para mim era um plano honesto de garota sonhadora, o próximo passo.

E, desde que descobri o real sentido da paixão que move os corajosos, não busco outra coisa em minha vida senão agir com o coração. Se a vida quer da gente coragem, o mundo também sempre precisa de mais um bocado de amor figurado.


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