Quando o passado me voltou como um relâmpago, numa noite fria de sábado, me bateu uma tristeza. Questionei os caminhos e as decisões – as que tomei e as que foram tomadas por mim, e eu não tive escolha a não ser aceitar. Poderia ser eu naquele porta-retrato feliz no aparador, ao lado do gato. Poderia ser eu aquela esposa. Poderia ser eu aquela futura mãe.
Até uma amiga me lembrar que eu só sou hoje a mulher que sempre sonhei ser exatamente por não estar naquele porta-retrato. E eu gosto demais de quem eu me tornei e da vida que tenho para sequer imaginar que eu poderia ser hoje qualquer outra coisa que não isso. Que poderia ser eu aquela que faz graça de algo em que eu acredito muito. Poderia ser eu aquela que compra apartamento na planta e economiza pra passar férias em Miami. Poderia ser eu a estar na outra ponta da polarização política que vivemos ano passado. Poderia ser eu aquela que está hoje ao lado de um homem que um dia eu amei e achei ser pra vida toda, mas que hoje parece não ser nem sombra daquela pessoa que me era tão familiar – e não gosto de quem ele se tornou.
Se libertar do passado e estar em paz com suas escolhas é um processo muito profundo, lento e cheio de cicatrizes a sarar. Vira-e-mexe esse fantasma me volta, para que eu pare por um momento, respire fundo e encare todos os caminhos que me trouxeram até aqui – e faça ajustes na trajetória, caso seja necessário. Fiquei pensando em tudo o que eu vivi neste tempo e tudo que me é tão caro e importante para esboçar uma realidade paralela em que nada disso tivesse acontecido. E aceitei uma vida que levo hoje e que tem sim muitos momentos de angústia, mas que é mais-que-perfeita porque é minha.
***
Quando levantei no dia seguinte, tendo um domingo fresco de sol inteiro nas minhas mãos e com todo o poder de decidir fazer apenas o que eu quisesse com ele, transbordando de possibilidades, a única coisa em que consegui pensar foi “que bom que não era eu naquele porta-retrato.”