Arquivo para abril \05\-03:00 2019

o futuro ainda não tem cheiro

O passado tem gosto de sobremesa que enche a boca e preenche todos os cantos. Brigadeiro quente, doce de leite feito com condensado na pressão, bolo de vó e pavê de madrinha, carne de panela da minha mãe e aquele estrogonofe que eu jamais comi igual, que eu disse que sentiria falta se a gente separasse um dia – e a gente se separou e às vezes eu me lembro dele e sinto falta, confesso. Não é um buraco no estômago mas é um gosto que sobrevive – se houvesse outra garfada hoje, talvez o sabor fosse diferente. Nossa memória é metida a ficcionista, a reinventar ou remexer um pouquinho a história para que se encaixe melhor no que a gente acredita que “na minha época é que era bom”. Talvez nem fosse.

Os cheiros também são um passaporte para momentos esquecidos, uma máquina do tempo preservada com cuidado. Às vezes a gente abre um armário e encontra uma pessoa querida, vai dobrar uma roupa e reencontra uma viagem, abre um livro e está de novo numa noite fresca de outono de anos atrás. A gente fecha os olhos e inspira, expira, transpira, respira. Um, dois. Eu não sei quanto guardamos da gente nesses guardanapos rabiscados dentro dessas gavetas da memória, coisas que às vezes preferiríamos esquecer mas não, os cinco sentidos não deixam. Até um abraço já me fez lembrar de outra pessoa, e eu juro que não queria que fosse assim.

Mas nos sonhos ainda não temos gosto nem cheiro. O que ainda não chegou é um lugar vazio de sentidos e infinito de possibilidades. E é nele que tenho me acolhido ultimamente.


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