Arquivo para junho \13\-03:00 2023

um mapa até a sua mão

Nos sentamos lado a lado no salão de espera ainda vazio, aguardando a peça que começaria dali a uma meia hora, alguns andares acima. Os edifícios do Sesc, sempre tão cheios e movimentados, parecem um cenário abandonado quando já passa do horário das atividades: e era lá que estávamos, à meia luz, num daqueles sofás curvos em tom pastel. Eu fingia normalidade mas, sem que você percebesse, segurava o coração na boca, mastigava as palavras às vezes tortas e mal conseguia conter um sorriso tão solto: o peito batucava impiedoso toda aquela vontade contida de quem ainda insiste em acreditar, apesar de. Eu queria aquela euforia, como queria. Adoro estar apaixonada.

E foi ali, abraçados por aquele silêncio de um salão enorme ocupado por tantos espaços vazios, que você me contou que sua avó lhe ensinou a ler as linhas da mão. Você, cientista e das exatas, começou em tom de desculpas, “Não acredite em nada do que eu disser”. E com aquele sorriso de canto a canto (explicitando a malícia de quem talvez já tenha se acostumado a usar esse truque em outros encontros), emendou, “mas foi isso que eu aprendi”. Eu, talvez mais envolvida pelos teus olhos e pela oportunidade de tocar suas mãos do que por todo esse mistério ainda não-decifrado nas linhas da minha palma, pedi para você ler o que aqueles rabiscos queriam me dizer. Ali onde o passado, o presente e o futuro se encontram, como a nascente e a foz dos rios que só deságuam no oceano das minhas histórias já vividas ou apenas sonhadas: minha cicatriz na palma esquerda de um acidente doméstico aos nove anos, o hoje ali com o peito em chamas, o amanhã tão distante e por isso mágico. Colamos nossas mãos uma ao lado da outra e, enquanto você me explicava em qual caminho se traçava a tal “linha da vida”, qual falava sobre o amor e quantos filhos eu poderia ter, eu notei que nossas palmas tinham desenhos muito, muito diferentes. Tantos encontros cabem num desencontro, mas não existe mapa capaz de orientar um caminho que não nasceu para acontecer. Pouco depois, assistimos a peça sobre os mistérios do universo e seu beijo não me fez ver estrelas nem me restaurou um coração já tão partido, mas aqueceu um início de outono sem perspectivas de planos em conjunto, e por algumas semanas o céu pareceu sim mais azul.

Após aquele dia, tudo foi se diluindo nas demandas cotidianas, até nos tornarmos nós esse imenso espaço vazio ocupado por um silêncio. Por fim, o destino traçado nas mãos se concretizou: assim como nossas linhas que não se cruzavam, nos desencontramos e partimos sós. A vida segue como é de costume, e eu continuo a buscar paz onde ela quiser me encontrar. Que o mistério se manifeste onde a gente deixar.


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