“Respirou fundo. Morangos, mangas maduras, monóxido de carbono, pólen, jasmins nas varandas dos subúrbios. O vento jogou seus cabelos ruivos sobre a cara. Sacudiu a cabeça para afastá-los e saiu andando lenta em busca de uma rua sem carros, de uma rua com árvores, uma rua em silêncio onde pudesse caminhar devagar e sozinha até em casa. Sem pensar em nada, sem nenhuma amargura, nenhuma vaga saudade, rejeição, rancor ou melancolia. Nada por dentro e por fora além daquele quase-novembro, daquele sábado, daquele vento, daquele céu azul – daquela não-dor, afinal.”
(Caio Fernando Abreu em Estranhos Estrangeiros, via “entre aspas”)
Dizem que depois da tempestade, vem a calmaria. Certas vezes, vem a anestesia primeiro. Vem a não-dor, não-sentir, nem alegria nem tristeza, nem raiva nem nada. Como se fosse mais fácil colocar certas coisas num arquivo paralelo da trajetória, a serem resolvidas com o tempo, para não sofrer. Porque remexer e buscar e fuçar é sentir – e, de uns tempos pra cá, sentir é sofrer. Então melhor deixar de lado, seguir a vida que resta com passos largos, para que o tempo, tal ‘senhor da razão’, faça a sua parte. A anestesia toma conta do quase-novembro, de um sábado de sol que tem cheiro de primavera e calor de verão, mas que ainda não tem sabor de vida plena. Que há de vir, eu sei. Quando chegar a hora – nem antes, nem depois.